Neste mês de maio tão castiço, visitamos algumas das neotabernas e casas de comidas que, desde a modernidade e com um bom ambiente, reivindicam e reinventam la gastronomia madrilena. Pura essência cañí. Por Silvia Roba
Fortunata, uma das grandes personagens femininas de Benito Pérez Galdós, viveu, embora temporariamente, na Calle de las Tabernillas, a mesma onde muitos anos depois residiria o cantautor Joaquín Sabina, outro excelente narrador do que se passava e se passa em Madrid. A rua, junto à praça Puerta de Moros, em pleno bairro de La Latina, deve o seu nome às muitas tabernas que nela existiam, desde o século XVI, herdeiras dos despachantes de vinho que proliferaram nesta zona durante o domínio árabe.
Duas das mais frequentadas foram as tabernas de Andrés Rodríguez e Tomás González, com o seu famoso lema “abro cuando llego y cierro cuando me voy” (abro quando chego e fecho quando me vou). No entanto, haverá que dirigir-se ao Bairro de las Letras para visitar a que é hoje a taberna mais antiga em atividade, a de Antonio Sánchez, cujas origens se remontam a 1787. É impossível compreender a história de Madrid sem falarmos das suas tascas, do seu bom ambiente –há sempre sítio ao fundo!- e dos seus icónicos pratos, como os callos, o rabo de touro e os soldaditos de Pavía. Hoje sopram novos ventos para a gastronomia madrilena, mas os sabores permanecem os mesmos. O castiço continua na moda.
“Si has tenido un mal día, estás en el sitio indicado. A partir de ahora solo puede mejorar” (Se tiveste um mau dia, estás no sítio indicado. A partir de agora só pode melhorar). É este o original recebimento dirigido a todos os que visitam La Retasca que, como o seu nome indica, é uma homenagem às tascas madrilenas de toda a vida.
O chef Juanjo López, um referente de La Tasquita de Enfrente, joga aqui, a apenas alguns passos do parque de El Retiro, com a nostalgia, recuperando sabores, aromas, sons e ambientes de outrora, adaptados às exigências do público atual. Salada russa, croquetes, orelha, tortilha Capel e outra mão cheia de pratos (gildas, biqueirões marinados, bocata de calamares…) compõem a sua proposta, claramente informal e pensada para compartilhar. “Somos um bar com muito jaleo, para visitar sem pressa, mas também sem pausa”, dizem-nos. Que todos se sintam como em sua casa e desfrutem é o seu objetivo. Oído, cocina!
Este é também o mês para recordar alguns pratos, como as gallinejas ou os entresijos (tripas de cordeiro fritas), que desde há muitos séculos fazem parte da tradição culinária madrilena. Dignificar a casquería é a proposta de Javier Estévez, à frente de La Tasquería, com uma estrela Michelin.
O Lince é o seu segundo local, uma taberna com mesas sem toalha e um balcão com bancos, para desfrutar de saborosas rações - croquetes de cecina, pipocas de salada russa, tortilha de batata guisada com molho de callos -, mas também de bons pratos de comer à colher, como as lentilhas estofadas com legumes, a língua de porco ibérico e o foie gras em escabeche. Mais sabores de Madrid? Claro que sim: a orelha de porco grelhada com molho picante, lima e tajin. Em quem precisar de sais de frutos para ajudar à digestão, pode provar o cocktail estrela da casa: o Bicarbonato.
Durante muitos anos não houve em Madrid melhores tigres que os de Hevia. Mas, afinal, o que é um tigre? Uma tapa infalível: um mexilhão recheado, panado e frito. Agora que os artífices do excelente restaurante do Bairro de Salamanca abriram este local, ao estilo dos bares de toda a vida, era inevitável que o tão demandado aperitivo se convertesse no mais pedido da lista.
Mas há muitas outras delícias para provar: torreznos, gambas al ajillo, boquerones en vinagre, salada russa e patatas bravas, que nesta casa se elaboram laminadas e com um molho viciante com um toque picante. Completam a oferta outras propostas, mais contundentes, como as almôndegas de vitela com batatas fritas concassé e o prato caseiro do dia, servido de segunda a quinta-feira. Talvez tenhamos sorte e possamos provar um arroz meloso de rabo de touro ou umas carrilleras (bochechas) de vitela.
Amor incondicional pela boa mesa, é o que se respira nesta casa, que recebe com especial carinho todos aqueles a quem os olhos brilham e lhes cresce a água na boca quando lhes servem os seus pratos preferidos. Novas e velhas abordagens da tradição gastronómica espanhola, com destaque para a madrilena, reunidas numa ementa que começa com uns buñuelos de bacalhau com maionese de alho negro e uma seleção de autênticas delicatessen, a que deram o nome de “Nada de inventos raros” (Nada de invenções estranhas), com destaque para os croquetes de presunto ibérico.
Os que são “de outros tempos” podem saborear uma perdiz selvagem escabechada morna com beterrabas de cores, e os que gostam de tudo “bem frito” uns ovos estrelados. Convém deixar espaço para o fim, porque ainda faltam a tábua de queijos de Madrid com marmelada e frutos secos e a torrija com gelado de baunilha.
Os irmãos Zamora chegaram à Calle de la Libertad com uma missão: “manter esse espírito de tasca castiça, onde se comem petiscos saborosos e se recebem as pessoas com alegria”. O desafio não era fácil: os anteriores donos, Celso e Manolo, não só deram nome ao local, como dispensaram durante 50 anos rações de callos e bacalhau, biqueirões, tortilhas e cañas com uma mestria absoluta desde o mesmo balcão de mármore.
O desafio foi logrado, e esta é hoje uma das tabernas de referência da cidade, com uma original decoração, conservando o piso original, bancos minimalistas, paredes em tons de areia e as maravilhosas esculturas de vime do artesão Javier Sánchez Medina. Se quisermos pedir algo, a salada russa e as asas de frango são uma aposta segura, mas também há bocadillos históricos bem madrilenos, como o pepito de ternera e o de calamares.
Aqui os tradicionais huevos rotos servem-se acompanhados por um tartar de atum vermelho e o bocata (em pão molete) de calamares com maionese de alhos assados. Em pleno bairro de Las Salesas este restaurante dirigido pelo chef Guillermo Salazar reinterpreta a tradição e os sabores castiços. Ficam avisados: é permitido molhar o pão!
O balcão e as mesas altas são dois elementos essenciais num local com horário ininterrompido, ideal para desfrutar em qualquer momento do dia de um vermute ou de um vinho acompanhado por sensacionais tapas como os seus ovos recheados de atum, a corvina macerada com alho, a salada de atum com escabeche caseiro e a Gilda Orellana. Como prato forte, a ementa inclui uma seleção de estofados elaborados a fogo lento, entre os quais figura um clássico, o de callos, pata e morro. Para a sobremesa, apetece sempre uma torrija com gelado de turrão.
Bocadillo de calamar em pão brioche com alioli de yuzu negro, patatas bravas sobre uma base de chile rocoto, soldaditos de Pavía com alioli de malagueta amarela, rabo de touro guisado com mole e puré de batata-doce… O melhor é mesmo visitar esta moderníssima taberna, que troca as voltas às receitas madrilenas de sempre, como as que preparavam as nossas avós, mas também um amigo aspirante a chef.
Um lugar de encontro animado, ao estilo dos bares mais típicos da cidade, que recupera a tradição das clássicas tabernas madrilenas, reinventando pratos castiços com produtos de qualidade. A mementa inclui patatas bravas hojaldradas, torreznos, croquetes fetén (de presunto ibérico, costeleta e lulas), tajadas de bacalhau e rabo de touro. Tudo acompanhado por uma cerveja bem tirada!
Pongamos que hablo de Madrid não é apenas uma das canções mais famosas de Joaquín Sabina. É também o nome do bocadillo de calamares que os irmãos de la Fuente preparam com um alioli de cítricos. Mas há muito por onde escolher na ementa deste restaurante, que aposta pela cozinha com coração. Outras opções castiças? O taco de orelha grelhada e as asas de frango com molho pepitória.
De noche todos los gatos son pardos (De noite todos os gatos são pardos) e Madriz, la casa de todos (Madrid, a casa de todos) são apenas duas das frases que podemos ler nos espelhos deste restaurante, com seis locais espalhados por toda a cidade. Atenção à ementa: as gildas, a salada de gambas, os tigres e os callos encontram-se ordenados em três secções, com nomes tão castiços como Más chulo que un ocho ou Se va a armar la marimorena.